terça-feira, 30 de agosto de 2011

O fim é no começo

Vinte e nove horas e quatro vôos depois estou de volta à toca. De Creta a Atenas, de Atenas a Munique, de Munique para Guarulhos, de Guarulhos para Floripa (com direito a atraso de duas horas na partida, porque o tempo ruim tinha fechado o aeroporto daqui). Se ontem (anteontem... tou meio perdido) eu estava tomando sol na praia, agora sou recepcionado pelo adorável clima do agosto sulista.

Então, com jet lag, vacation lag e weather lag, hora de contar como foram os últimos dias e algumas considerações gerais da viagem. Bora lá.

Heraklion

Escrevi o nome da cidade, em vez de “Creta”, porque a ilha é grande pra cacete. Com 200 km em seu maior eixo, tem uma área onde caberiam 16 Ilhas de Santa Catarina. Mesmo assim, tem uma população de apenas 600 mil habitantes, o que lhe dá um clima bucólico de uma grande ilha parada no tempo, salpicada de vilarejos. Entretanto, também não tem nenhum super sistema de transportes desenvolvido, tudo depende de ônibus e as regiões menores não tem muito suporte de inglês. Assim, Creta exige um empenho maior para ser bem conhecida (um carro alugado é o ideal). Estando em fim de viagem e já meio sem gás, fiquei apenas nas proximidades da cidade principal, Heraklion (ou Iralkion).

Comecei o meu primeiro dia indo para o lugar que tinha me trazido até ali: as ruínas do Palácio de Knossos, centro principal da primeira civilização avançada da Europa. Além da antiguidade, o lugar é realmente legendário, sendo a residência do mítico Rei Minos e, possivelmente, a origem do Labirinto do Minotauro. Por isso que a civilização cretense que ali se formou, mais ou menos entre 2300 – 1400 a.C, é chamada de minoana ou minóica. Rodrigo e Fábio, antes que me perguntem: não, o palácio não era de bronze e não encontrei nenhuma armadura do capeta no interior do labirinto. Mas bem que procurei!

Pedindo explicação para o pessoal do hotel (que era muito bom – o hotel, não o inglês dos hoteleiros), peguei o ônibus que vai até lá, distante uns cinco quilômetros do centro. Entrando, a sensação que senti foi um pouco estranha, semelhante à de Notre Dame após a Berliner Dom. Visualmente falando, não impressiona tanto quanto as ruínas mais colossais de uma Roma ou mesmo Atenas. Mas estamos falando de locais mais de mil anos mais novos que Knossos. Quando você mentaliza o salto enorme do tempo que se dá ao andar em Knossos, fica impressionado com a civilização que construiu aquilo ali.

Mas não ache que o lugar é pequeno, longe disso. São aposentos e mais aposentos dos quais restaram apenas ruínas esparsas. O arqueólogo que as descobriu, no começo do século passado, também fez uma grande restauração de alguns trechos. Se por um lado ele foi criticado por não ser muito fiel e deixar a imaginação rolar em alguns pontos, por outro dá uma pequena noção do que deveria ser o palácio na época. Segundo o livro-guia que comprei, o palácio completo tinha 1500 aposentos (achei esse número exagerado, tenho que conferir em outras fontes). Não é à toa que a lenda o transformou em um labirinto.

Ao caminhar por lá, efetivamente você se sente num labirinto, mais exatamente como o Pac Man correndo de um lado para o outro fugindo dos fantasmas. Só que, neste caso, os fantasmas são os infinitos grupos de visitas guiadas que lotam cada ponto de destaque, lhe obrigando a fazer malabarismos para conseguir ver as coisas direito. Considerando que já era final de temporada, penso que visitar o palácio durante o pico do movimento seja um inferno, pois não é um lugar tão grande assim para a quantidade de pessoas que recebe.

Após um par de horas ali e tomar o suco de laranja mais caro do universo (4,5 euros por 300 ml!), voltei ao centro para dar uma passada no Museu Arqueológico de Creta. Tendo a fama de ser um dos grandes museus da Grécia, ele na verdade se encontra fechado para reforma (eu já sabia disso), mas organizaram uma pequena exposição com as peças mais famosas da civilização cretense. Foi legal ver várias peças “pop” da arqueologia, sempre impressionado com a habilidade manual que produziu peças tão antigas.

Ainda com bastante tempo, rumei para a beira do mar, onde existe uma fortaleza veneziana da idade média (os venezianos ocuparam a ilha por muito tempo, construindo inclusive uma muralha que cerca todo o centro de Heraklion, de pé até hoje). Achei que tinha algum tipo de visitação, mas só dá para olhar ela por fora. Aproveitei para encarar a longa caminhada pelo quebra-mar que protege o porto, com seus dois quilômetros de extensão, e que parece ser bem usado pelos locais para caminhadas e passeios de bicicleta. Voltei pelos calçadões à beira-mar deles, apreciando o céu absolutamente limpo e o mar absolutamente azul, aproveitando no caminho para jantar uma deliciosa sépia grelhada (“cutlefish”, ponha no Google para saber).

Meus últimos dois dias foram em marcha bem lenta. Não senti mais aquele compromisso todo de conhecer mil coisas (tem muitos sítios arqueológicos importantes em Creta, mas mais distantes de Heraklion). Resolvi apenas relaxar para fechar as férias. No sábado, acordei bem tarde. Saí de tarde para comer e, para desencargo de consciência, passei no pequeno Museu de História Natural que eles possuem. Sem grandes novidades, mas sempre é legal ver uns fósseis e uns lagartos vivos em aquários. Dalí fui a outra das várias tabernas à beira mar que lá existem. O nome é bem mais sexy do que parece, são apenas bares / restaurantes à beira mar com um nome diferente. Meu almoço foi com um não menos delicioso polvo grelhado, me lembrando que o lugar onde mais comi frutos do mar nos últimos tempos foi a Grécia. É porque lá eles não ficam apenas na sequência de camarão super cara, então você pode comer esses bichos diferentes por um preço normal. Nada mais fiz naquele dia, que contou como “férias das férias”.

No domingo programei para fechar a conta com um belo dia de praia, mas não queria simplesmente ir lagartear na areia. Tinha visto na frente do forte veneziano uma barraquinha vendendo passeios para Dia, uma pequena / média ilha a sete quilômetros de Heraklion. Então para lá rumei no domingo. Ao chegar, dez da manhã, vi só um tiozinho sentado na barraquinha, vendo a vida passar. Não queria me meter em fria no último dia, então sentei a uma certa distância e esperei para ver se alguém mais se candidataria ao passeio. Dez minutos, vinte minutos, meia hora... Foi aí que apareceu um primeiro casal aparentemente interessado (ou deveria dizer cooptado, pois foram trazidos de carro pelo capitão do barquinho). Quando eles saíram, perguntei se iam no passeio e eles confirmaram. Bem, sozinho eu não estaria, então fui comprar o bilhete. O preço era um pouco salgado, mas incluía o almoço, e na hora que eu estava ali duas gatinhas australianas foram cooptadas pelo capitão também. Então lá fomos nós.

No fim, mais uma família e um neozelandês perdido se juntaram a nós e nove pessoas subiram a bordo do pequeno barco, junto com o capitão e o tiozinho da barraca, que era seu imediato (os dois bem simpáticos). Partimos para a pequena jornada de uma hora entre o porto e a ilha. Nos primeiros quinze ou vinte minutos, todos empolgados e risonhos com as ondas que faziam o barquinho subir e descer como se fosse montanha russa. Com o tempo, todos ficando progressivamente bodeados. Tive que usar a estratégia de manter os olhos fixos no horizonte para agüentar alguns momentos mais revoltos. Se alguma vez pensei em virar marujo, preciso especificar: “de um barco grande”.

Mas finalmente chegamos numa ilha que não tem simplesmente NADA. Ok, tem alguma coisa: uma antiga taberna abandonada (que fez o favor de deixar as cadeiras de praia e alguns poucos guarda-sóis funcionais para a posterioridade), meia dúzia de árvores plantadas, uma igrejinha e outra meia dúzia de habitações abandonadas espalhadas. Fora isso, apenas areia, rochas, duas espécies de plantas espinhentas e muitas moscas. Mas as horas gastas na pequena praia de areia onde ficamos foram muito boas, em uma paz total. Fazer mergulho com snorkel naquelas águas extremamente límpidas é demais e eu poderia ficar dias só explorando aquilo, nadando lado a lado com dezenas de espécies de peixes nas rochas.

Quando andei pelos ermos da ilha, filmando e fotografando, e me deparei com aquela meia dúzia de casas abandonadas, de repente tudo ficou claro para mim. Pensei no nosso grupo de onze pessoas, que incluía o capitão experiente que morre cedo, o galã (eu, claro), a gostosa que também sempre morre, sua amiga um pouco menos atraente mas que fica com o mocinho, o gordinho atrapalhado, o velho estrangeiro misterioso, uma família normal de pai, mãe e filha... É claro que eu estava em um filme de terror e nas casas abandonadas se escondiam os zumbis que iriam nos matar e devorar a todos. Por isso haviam tantas moscas, atraídas pelos mortos vivos, e minha câmera seria encontrada posteriormente com as cenas reais da tragédia. Assombrado com esta revelação, fiz o que um herói sensato faria: desci até o barco para pegar mais uma cerveja e me conformar com meus últimos momentos de vida.

As horas que tínhamos se passaram rapidamente (incluindo um bom almoço preparado pelo capitão) e nenhum ataque zumbi aconteceu, então rumamos de volta para o porto (desta vez com um Dramin na cabeça). O passeio foi muito legal, mas curto demais (saindo às onze e meia e voltando às cinco, tivemos pouco mais de três horas para aproveitar a ilha). Fui direto para o hotel tomar um banho e saí depois apenas para o último jantar à beira mar, já cabeceando com aquele sono irresistível que praia causa, e dormi bastante até sair para o aeroporto hoje.

Como fica minha impressão da Grécia após estes seis dias lá? Vou parecer exagerado se eu falar algo como “o país mais bonito do mundo?”. Ok, vou manter a humildade, sabendo que minha carreira de viajante ainda é muito curta, e ficar com “o país mais bonito que já visitei”. Lá você encontra lado a lado as paisagens paradisíacas à beira mar, uma história milenar e uma cultura riquíssima, que sempre foi característica da Grécia por sua geografia, pontilhada de ilhas e cidades-estado independentes. A estrutura turística é excelente e é mais fácil se virar lá com inglês do que em grandes capitais como Paris ou Roma. Também os gregos são bem menos chatos ao pular em cima dos turistas do que os italianos (pelo menos por onde passei não tive problema algum) e as entradas / hotéis / restaurantes não são um assalto como em Paris. Em resumo, é um país que coloco muito alto na minha lista de prioridades para uma próxima viagem, possivelmente tendo carteira de motorista e passeando pelas cidades históricas do continente, além das várias ilhas ainda a conhecer. Espero realmente que eles consigam superar a crise e continuar sendo um país excelente para visitar. Afinal, é disso que eles vivem!

Ah, claro, ainda falta falar da última cidade que visitei...

Munique

Checagem de passaporte e interrogatório. Aeroporto gigante. Guardinha da emigração me olhando feio. Devo ter cara de bandido. Fim.

Resumo da ópera

Bem, e o que posso tirar destes 34 dias fora indo de um lado para o outro? Aprendi demais e vi muito mais coisas que a cabeça poderia assimilar de uma vez só (embora, quando releio o modo como escrevi aqui no blog, algumas coisas pareçam mais legais do que realmente foram). Foi minha escolha fazer este turismo histórico, com foco em museus e sítios arqueológicos, devido à minha paixão pelo tema. Acredito que os apaixonados por arte ou por baladas também aproveitariam tanto ou mais, mas claro que seus roteiros seriam diferentes. Viajar sozinho tem a vantagem de você ir para onde quiser e ficar o tempo que quiser, e me virei perfeitamente bem assim. Por outro lado, uma parceria sempre dá mais de graça, tanto para as visitas quanto para sair e tomar uma cerveja. É ruim não poder conversar sobre o que está se vendo, ainda mais sendo um cara com eu, que não faz amizade em cada hotel que passa. Mas poder escrever e compartilhar com quem acompanhou aqui pelo blog supriu um pouco desta “carência”.

Sobre viajar por conta própria, acredito que ninguém deve ter medo disso, pelo menos na União Européia. Você não vai ser preso por alguma coisa bizarra como andar com os pés aparecendo ou tomar uma cerveja num feriado religioso. O máximo que vai acontecer, quando alguma coisa dá errado, é gastar um dinheiro a mais. É preciso certa iniciativa e independência para dar conta, mas, depois de se desesperar na primeira máquina de comprar tíquete, você logo pega o ritmo. Com a internet, dá para descobrir tudo e toda cidade onde passei tinha um mapa turístico disponível de graça. O problema da internet é que todo lugar apresenta suas atrações como a oitava maravilha do mundo e pode ser difícil selecionar o que ver. Nestas horas os guias de viagem ajudam MUITO, pena que eu só tinha de Berlim e Paris.

Certamente quem viaja com pacote tem uma “eficiência” maior (ou seja, consegue ver mais coisas no tempo disponível) e não perde algumas coisas por falta de conhecimento, como aconteceu algumas vezes comigo. Entretanto, fazer as coisas no seu ritmo e poder entrar em um lugar e sair de lá só quando quiser é uma imensa vantagem. Sei que eu poderia ter aproveitado mais o tempo, mas se tivesse que acordar cedo todo dia para ir conhecer algum prédio velho, provavelmente ficaria mal humorado em poucos dias. Viajar por conta também pode sair muito mais barato, com o preço parecido ou mais caro que os pacotes, depende apenas de como você quiser se organizar. Eu escolhi pegar hotéis em vez de albergues e não procurar sempre os lugares mais baratos para comer, então a minha conta certamente ficou mais alta do que daria para fazer. Fica a critério de cada um, de acordo com seus gostos pessoais e suas condições financeiras.

Sobre viajar por trinta e poucos dias seguidos, também varia de pessoa para pessoa. Tem gente que consegue ficar os três meses que são possíveis viajando. Outros cansam depois de uma semana. Eu não reclamaria de uma pausa no meio, se teletransporte existisse (e não fosse caro como avião). Em Paris estava um pouco cansado. Talvez devesse ter tirado um dia de férias de férias àquela altura. Mas Roma e Grécia foram tão legais que o ânimo voltou. Os últimos dias em Creta, mais em esquema de “férias” do que de “turismo”, foram bem relaxantes e eu estaria pronto para encarar mais algum tempo de viagem. Quando você fica muito tempo no mesmo esquema museu / monumento / sítio, o negócio vai saturando aos poucos. Após um certo momento, todos os cacos de cerâmica parecem iguais, não importando se são de 5000 ou 500 a.C. É bom ter um programa mais variado para aproveitar mais, e não ficar o tempo todo com aquele “compromisso” de conhecer coisas novas.

Resumo do resumo

Melhor momento: Wackeeeeeennn!!!!!

Outros momentos de destaque: Castelo de Heidelberg (a primeira ruína a gente nunca esquece), Zoo de Berlim (o primeiro lobo também), Coliseu, Acrópole de Atenas, ilha deserta de Creta... e mais um monte!

“Menos melhor” momento: Paris (foi muito legal do mesmo modo, só que foi o único lugar onde o fator “temporada” pesou).

Lugares para voltar logo: Grécia, Wacken.

Lugares para não voltar tão cedo: as cidadezinhas pequenas que você conhece em um dia (Göttingen, Heidelberg – mas Goslar até rolaria) e Berlim (amei a cidade, mas meu tempo lá foi suficiente para ver as coisas que eu mais queria).

A conta (para quem quiser ter uma idéia dos custos): passagens Brasil-Europa (1000 euros), hospedagem (1184 euros – lembrando que durante uma semana não fiquei em hotel), todo o resto (2148 euros), incluindo transporte interno (cerca de 600), ingresso do Wacken (186), bagulhos que eu trouxe (cerca de 150), comida, cerveja, entradas e tudo mais. Total: 4332 euros, cerca de dez contos.

Palavra final: e que venha a próxima!

Um comentário:

Ademar disse...

É isso aí, Filho. A vida é para ser bem aproveitada em cada um dos seus momentos. Uma maneira de aproveitá-la, com certeza é viajando.

Abração.